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Maternidade na Universidade: Enfrentando um leão por dia

Atualizado: 22 de mai. de 2019

Mães e gestantes universitárias da Universidade Federal de Goiás (UFG) falam sobre suas rotinas, falta e/ou recebimento de apoio e assistenciais em seus períodos de academia


Gisele Siqueira

Heloisa Sousa

Rafaela Rocha


O anúncio do despertador se dá às 6h15 toda manhã. Francisca Patrícia de Souza já sabe o que vai acontecer a partir daí: ela precisa acordar Luma Helena, sua filha de 7 anos, para depois fazer o café da manhã. Sua segunda tarefa, ainda de manhã, já é deixar a casa organizada e as louças lavadas, para que consiga sair às 6h50 e deixar Luma na escola. Depois, Francisca Patrícia, precisa enfrentar o transporte coletivo para que consiga assistir sua primeira aula do curso de Jornalismo, que ela faz há nove meses.

A rotina de Patrícia ilustra o que muitas mulheres enfrentam em suas duplas jornadas de trabalho, às vezes tripla quando desenvolvem uma atividade profissional. Ser mãe e estudar é o desafio de muitas mulheres para realizar o sonho de terminar a graduação ou pós graduação. Dados divulgados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) com estudos da série histórica, de 1996 a 2015, da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad), mostram que a jornada total média de trabalho das mulheres era de 53,6 horas. Já a de um homem é de 46,1 horas semanais, isso em 2015.


Estudante do primeiro ano de Jornalismo, Francisca Patrícia conta das adversidades e questões que encontrou quando começou o curso na UFG.


Difícil, desgastante e limitante. Essas são as palavras que resumem a sensação de ser mãe e estudar ao mesmo tempo para as estudantes Amanda Karly Silva de Araújo, Rafaela Flávia Notte Cardoso e da Francisca Patrícia. “Todo dia é um leão para matar e ninguém se importa se você está bem ou não. Digo, no sentido da universidade, ter amigos é o que ameniza as dificuldades”, desabafou Rafaela Flávia, de 28 anos, estudante de Nutrição e mãe do Gabriel de 2 anos. Muitas universitárias ainda enfrentam o mercado de trabalho, aumentando suas jornadas. “É uma jornada sem fim, porque além de filho e faculdade eu tenho casa e marido”, completou Rafaela.

Não é diferente para Amanda, estudante de Jornalismo, de 24 anos. Ela diz nem saber quantas jornadas têm, já que, além de estudar e cuidar do filho, ela também tem uma trabalho informal. “Tranquei um ano do meu curso e só agora, com meu filho com 3 anos, eu sinto que voltei de verdade para a faculdade. Ainda assim é muito complicado, porque ele sempre vem em primeiro lugar”, declarou a mãe de William Axl. Amanda conta que o suporte que recebe da família e dos amigos é fundamental “Minha corrente de apoio é maravilhosa, eles que ficam com o William para que eu possa fazer tudo”.

Anna Karla Madureira Meirelles, de 23 anos, é mãe de Kauã, de 2 anos. A estudante de Educação Física comenta que sua experiência na universidade com o filho é positiva. “Até no momento em que eu estava grávida foi positivo, os professores foram super compreensivos, acolheram a causa dos meus limites”. Ela recebeu apoio da família no período que voltou a frequentar a faculdade, depois dos quatro meses de licença maternidade, que assistia aulas à distância. Sua colega de curso, Karine Menezes de Cunha, de 29 anos, irá concluir a graduação esse ano e está passando pela mesma experiência de Anna Karla.

Karine, grávida de nove meses, conta que seguiu tranquila quando soube que estava esperando um filho, pois já estava no fim do curso e recebeu apoio dos familiares. Ela pretende voltar à universidade em março para uma pós-graduação e não espera receber apoio da Universidade Federal de Goiás (UFG). “Eu não acho que seja responsabilidade da faculdade oferecer mais do que isso, que é ensinar. A gente está aqui para estudar e nesse quesito os professores são bem compreensíveis”, declara. Mas pondera, “Para mim foi o suficiente, não sei se é para as outras mães”.


Karine Menezes é estudante do último período do curso de Educação Física pela UFG. No último mês da gestação, Karine relata do apoio maternal que vai receber para que possa começar sua pós-graduação em 2019.


O apoio familiar e conjugal é diferente para cada mulher. Patrícia revela que o apoio veio de sua mãe e de sua enteada que a ajudaram a convencer o marido deixá-la estudar. “Minha enteada ficou super feliz, ela inclusive me ajudou a "baruiar" meu marido”. Ela conta ainda que só conseguiu convencer seu marido devido a um acordo que eles fizeram. “Eu tenho que estar em casa às 13 horas da tarde. Foi a condição que ele me deu para me deixar estudar”. Já Eduarda Garrasini, de 18 anos, é estudante de Ciências Sociais, mas entrou de licença devido a gestação. Ela revela que o apoio familiar só veio depois do primeiro trimestre “Só recebi esse apoio porque meu companheiro arranjou um trabalho”.


A responsabilidade paterna é uma questão que ainda deve ser posta em pauta. Anna Karla fala sobre como o apoio do pai de seu filho é restrito a compras e visitas periódicas.


Eduarda conta que só soube da gravidez quando estava com sete semanas de gestação “Foi um susto. Dependendo de como as coisas fossem fora da universidade, eu teria que arranjar um emprego, provavelmente abandonar o curso”. Ela acredita que o apoio psicológico, tanto durante a gestação como depois, pode fazer muita diferença para as mães e deve ser oferecido pela universidade. Eduarda faz parte do coletivo Mães da UFG e diz que é um espaço onde se sente amparada.

Juliana Martins Pereira, de 26 anos, também é membro do coletivo. Ela faz mestrado em Antropologia Social e é mãe da Jasmine, de 3 anos. Juliana diz que, apesar da compreensão dos professores na maioria dos casos, às vezes falta sensibilidade nos servidores para perceber as necessidades das mães. “Uma vez fui encaminhada para um estágio noturno. Não pensaram que a noite eu teria que estar em casa com a minha filha e que não existe um Centro Municipal de Educação Infantil (CMEI) noturno ou alguém que pudesse ficar com ela”. Existem ainda as dificuldade nos percursos de ida e volta da faculdade e a falta de empatia nos espaços públicos.

A Universidade Federal de Goiás é o local que reúne todas essas mães e estudantes. É na faculdade que muitas passam a maior parte de seus dias. Apoios estudantis para mães universitárias e gestantes já é lei no país. A Lei de número 6.202, do ano 1975, estabelece uma licença maternidade a partir do oitavo mês de gestação e durante os três primeiros meses de ausência na universidade (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1970-1979/L6202.htm).

Conquanto, a ineficiência e negligência são assuntos pautados pelas mães e gestantes, já que a universidade não oferece serviços e assistência para elas. “A universidade não se interessa e não apoia de forma alguma a mãe ou gestante. A começar pelo mais simples, não existe um único banheiro, que eu tenha conhecimento, que dispõe de fraldário” desabafou Rafaela. O banheiro família é uma exigência de grande parte das mães, assim como a preferência de vagas na creche da UFG e o espaço para a licença maternidade no currículo Lattes.

“Estamos reivindicando políticas de permanência como creche, porém a única política para mães de baixa renda é o Bolsa Canguru”, divulgou Juliana Martins. O Programa Bolsa Canguru é uma assistência que a universidade fornece para que mães de baixa renda consigam permanecer estudando. O programa foi criado por um decreto em 2010 e oferece um auxílio de R$ 250,00 para as pessoas que conseguirem atender aos critério presentes no edital a cada ano. (https://prae.ufg.br/up/93/o/Edital_n%C2%BA06.2018_PBCamguru.pdf?1540847892).

O Repórter Guará tentou contato com o órgão da Pró-reitoria de Assuntos Estudantis (PRAE), para melhores explicações sobre os auxílios que os pais universitários têm direito, mas não obteve sucesso nas ligações e nem em marcação de horário. Foi procurado também os representantes do órgão da pró-reitoria e com o Sistema Integrado de Atenção à Saúde do Servidor (SIASS) para receber orientações sobre amparos psicológicos e também não obteve respostas.


CRECHE NA UNIVERSIDADE


A antiga creche da Universidade Federal de Goiás foi criada em 1989 com o início de seu funcionamento em 18 de fevereiro de 1991. A inauguração dessa creche se deu pela reivindicações dos discentes e docentes, técnicos e terceirizados da UFG que queriam um espaço para deixar seus filhos enquanto ficavam na faculdade. E devido a suas necessidades, a universidade concedeu um espaço ao lado do Centro de Aulas Caraíbas e a Faculdade de Administração, Contábeis e Economia (FACE).

Tal creche funcionou por 22 anos como algo restrito a membros da UFG. Porém, em 2013, a pedido do Ministério da Público, a universidade federal disponibilizou todas suas vagas para a comunidade em geral e não apenas membros da academia, mudando seu nome para Creche Universitária para Departamento de Educação Infantil (DEI). “A universidade teve a creche, que antes era pela Pró-reitoria de Assuntos da Comunidade Acadêmica (Procom). Ela oferecia vaga direcionada à comunidade da universidade acadêmica, mas o Ministério Público proibiu a ação de escolher quem ocuparia a vaga em creche, por ser uma creche federal. Agora a creche é sorteio aberto à toda comunidade então não existe nenhuma forma de apoio às mães nem na arquitetura da universidade, não temos banheiro família”, contou Juliana.

Com esse fator muitas mães se sentem desamparadas pela universidade. “Seria ótimo se tivesse apoio da universidade, mas já estou planejando isso sabendo que não tenho. Importante mesmo seria que nós tivéssemos acesso a creche como maneira de prioridade, professores/alunos/servidores da UFG, pelo menos durante o período de estadia”, desejou a estudante Eduarda Garrasini.

Com a abertura da creche para a comunidade em geral ela teve que se unir a uma unidade de educação. Então em 2013, ficou decidido, durante uma votação entre os professores e técnicos da creche, que ela se uniria ao Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada à Educação, o CEPAE. O diretor e professor do CEPAE, Alcir Horácio da Silva contou que a creche parou de ser um órgão ligado à pró-reitoria. “A creche era ligada a antiga Procom, agora PRAE, e ela precisa estar ligada a uma unidade de educação. E o CEPAE é uma unidade de educação básica que estava próxima, então ela foi escolhida”, contou o diretor.

O professor Alcir Horácio da Silva vê a creche como um bem público, que não deve ficar apenas nas mãos da academia. “A educação é um direito do cidadão e a universidade é pública. É essencial que ela seja da comunidade. Quando ela era usada por apenas um segmento era muito restrito. A partir do momento que deixou as vagas mais livres, qualquer pessoa tem chances. É acessibilidade pública”, informou o Horácio da Silva.

Com apenas 76 vagas sendo ofertadas, a DEI realiza sorteios anuais para decidir quem irá entrar. Com poucas vagas e um espaço pequeno, muitos estudantes não veem amparo na universidade para conseguirem deixar seus filhos lá. “Isso é bem complicado, porque a faculdade tem a creche, mas é quase impossível conseguir uma vaga. É por sorteio e aberta à comunidade em geral, as mães da universidade não tem prioridade. Eu mesmo nunca consegui a vaga”, relatou a estudante Amanda Karly.

A abertura da creche para o público propõe que a universidade seja mais acessível e plural, de acordo com o diretor Alcir. “O número de ofertas é muito pouco e o número de procura é grande”, relatou ele. Muitas mães afirmam que não anseiam que a creche volte apenas para a comunidade acadêmica, mas que destinem algumas vagas para eles. “Eu acho que as mães da universidade tinham que pelo menos ter prioridade na creche”, comentou Amanda.


A estudante de Educação Física também participa da Chapa 1 do Diretório Acadêmico (DCE) - “Da unidade vai nascer a novidade “. E uma de suas pautas é a busca por cotas na creche para os membros da UFG.


MÃES UNIDAS


O coletivo Mães da UFG foi criado em maio deste ano com o objetivo de discutir demandas relacionadas às necessidades das mães que são estudantes e servidores da UFG. "Nossas reuniões são feitas de acordo com a abertura da instituição. Temos pautas debatidas em reuniões e elas são levadas para a UFG e os órgãos que dialogam com nossas pautas", conta Juliana Martins, umas das colaboradoras.

O grupo discute políticas que atendam as necessidades de pessoas com filhos pequenos, como programas de permanência na universidade e uma estrutura que auxilie os pais que precisam levar os filhos para a faculdade, como por exemplo, banheiros família. O coletivo busca também construir eventos acadêmicos, com o apoio de professores e grupos de estudos, para discutir questões como desigualdade de gênero, que são agravadas com a maternidade.

O coletivo já conseguiu que uma de suas reivindicações fosse atendida: um espaço para as mães com os filhos. A conquista foi alcançada depois que o Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social (PPGAS) da UFG apresentou a demanda para a reitoria baseado em um artigo sobre a exclusão das mães em espaços públicos. A sala ficará no novo prédio do curso de Ciências Sociais e será um espaço para que as mães possam estudar e ter conforto para cuidar de seus filhos.

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