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  • Foto do escritorRepórter Guará

Filhote de ônibus

Heloisa Sousa


Ando de ônibus desde que me entendo por gente. Lembro da minha mãe, quando eu tinha 12 anos, me ensinando todos os macetes para conseguir enfrentar sozinha o trajeto de 1 hora da minha casa até o colégio e do colégio até minha casa. Me lembro também da minha irmã, ali com seus 5 anos, adorando o balanço que o ônibus fazia e que ela queria acompanhar em pé, mesmo que não conseguisse se equilibrar.


Mesmo com 20 anos de experiência, essa semana eu me perdi. Peguei o ônibus errado duas vezes, não desci no lugar certo, conheci um bairro onde eu nunca havia andado - o Jardim Curitiba - , o pneu do ônibus furou… não existe glamour em andar de ônibus. Não existe glamour em andar no transporte coletivo de Goiânia.


Mas mesmo que eu tenha me perdido, não existe desespero também. No pobre que não tem outra alternativa, há uma bússola natural que nos guia pros caminhos já conhecidos e pras saídas familiares quando, por um segundo, você se perde entre os outros passageiros e entra no ônibus errado ou não desce no ponto certo.


Mas, deixando de lado os perrengues, se você se permitir a distração só um pouquinho, é possível encontrar algumas belezas que estão dentro, que estão fora e que são cortadas pelo movimento do baú seguindo seu trajeto. As mulheres arrumadas indo pro trabalho, os homens suados voltando dele. Velhos conversando sobre o clima e crianças que descobrem um universo em qualquer detalhe da sua roupa.


Existe uma beleza efêmera em cada viagem de ônibus, em cada conexão cotidiana que nasce e morre nas relações entre os passageiros. “Bom dia, motorista” “bom dia”. Freada brusca que irrita e incomoda e transforma todos os passageiros gritando com o motorista em um só, e depois, risadas…


Nunca andei de metrô, mas sabe uma coisa que nunca vai me permitir gostar mais de metrô do que de ônibus, mesmo sendo uma espécie de ônibus mais rápido? As janelas. Quantas histórias existem pelas janelas subterrâneas de um metrô?


Se eu passo tantas horas do meu dia e, assim, tantas horas da minha vida, em transportes coletivos, quero pelo menos aproveitar as avenidas que atravesso todos os dias, mas nunca são as mesmas. Os carros diferentes, as pessoas diferentes, os diferentes entregadores de delivery se esquivando entre os ônibus. A cidade de manhã, que é diferente da cidade no fim do expediente, que é diferente da cidade a noite e acredite, aproveitar o ônibus é uma das melhores formas de se conhecer as cidades.


Se você se deixar escutar… aí, meu amigo, você coleciona histórias. Sempre existe alguém disposto a conversar, com sede de falar. E às vezes, tudo o que algumas pessoas precisam é dessa escuta passageira, desconhecida, mas talvez familiar. E por que não?



P. S.: era pra ser uma crônica sobre metrô, mas eu sou muito filhote de ônibus.


*crônica de fevereiro de 2021

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