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  • Foto do escritorRepórter Guará

Até o céu sabe

Atualizado: 2 de ago. de 2021

Rafaela Ferreira


Olho para cima e vejo um céu arroxeado, com uma leve presença do azul e todo coberto de pequenas nuvens brancas. Sinto que ele parecia saber que ali, naquela terra, estava presente uma ocupação de mulheres. Em Anápolis, onde a presença do latifundiário e de terras de “alguém” sem ninguém é muito marcante, João de Deus comprou hectares para a exploração agropastoril. Depois de varias comprovações de estupro e assédio de mais de trezentas mulheres que buscaram ajuda espiritual com ele, o médium foi preso no final do ano de 2018. Porém, a luta contra tal atrocidade não parou em seu encarceramento: No dia 13 de março, mais de 800 mulheres do Movimento de Trabalhadoras Rurais Sem Terra resolveram se manifestar e ocupar a chamada fazenda Dom Inácio.

O acampamento começou afrontoso, quebrando a corrente da porteira que guarda o chão que falta para muitos e armando barracas próximas à rodovia que corta a fazenda, fazendo com que elas ficassem mais visíveis nas vistas de autoridades. Mas, com o passar dos dias, se fez necessário adentrar mais os longos 600 hectares proclamados, pois é assim que o movimento resiste mais tempo das garras do sistema de latifúndio.


No acampamento, o clima era amistoso e de educação. Oficinas e grupos de estudo eram realizados todas as tardes. Porque, de acordo com eles, um Sem Terra que não estuda também não deve falar, pois se fala pode ser equivocadamente. Um pequeno livro vermelho foi posto a vista nas mãos de um que ensinava, é esse o pequeno manual presente nos estudos e que muito ensina sobre a ideia do que é o MST. Os momentos são divididos nos que falam enquanto outros escutam. Já em outra parte da ocupação, algumas pessoas cuidam da cozinha, fazendo assim com que o trabalho seja algo divido e escalado de acordo com preferencias.


Durante meu tempo na ocupação consigo perceber que naquele espaço a manifestação e a militância se mesclaram em dois temas, mas leva a uma só causa: A luta contra o fim da violência de gênero e o começo de uma reforma agraria gera mulheres unidas. A escolha do nome do acampamento já diz muito: Marielle Vive! Naquele pedacinho retangular de terra de um grande pedaço de uma fazenda pastoril, diversas sementes estão sendo plantada, isso porque uma grande flor foi assassinada, isso porque diversas rosas foram abusadas e silenciadas por anos.


Um dia antes do meu retorno para a cinzenta cidade de Goiânia, faço parte da vigia. Fazer a guarda de uma ocupação significa tutelar por vidas de diversas pessoas, é um ganho de confiança, é fazer parte da luta. Lá é possível observar a estrada e ver o quase não movimento de carros e ler, com a luz da lua, que a cada três segundos uma mulher é assediada no Brasil, escrito em uma enorme faixa feita à mão.


Uma semana depois do meu retorno duas companheiras, que foram comigo, me dão a triste notícia: “Elas estão saindo de lá. O juiz determinou o fim da ocupação”. Fico triste com a informação, mas me lembro do que foi, intrinsecamente, ensinado lá: mulheres vão resistir independente do espaço que estão.


''Pela vida das mulheres somos todas Marielle''


O céu era roxo, assim como as bandeiras

E vermelho era a terra, assim como A bandeira

Mesmo depois de dias, ainda era possível ouvir os gritos da revolução

E elas diziam: ''Aquele que manda matar também pode morrer''.


''Pátria Livre!''

Foi o que gritaram na quebra das correntes de um grande latifundiário

Latifúndio esse que antes era cheio de ervas daninhas

Mas que depois se plantou uma flor

Flor que desabrocha toda vez que Marielle é lembrada

Toda vez que 800 sementes resolvem dizer ''basta!"


João, você quebrou nossos galhos.

Porém, mais uma vez, se esqueceram das nossas raízes.

Se esqueceram que quando uma caí

muitas outras se levantam.


POEMA Rafaela Ferreira

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